Carta aberta ao Senhor Ministro da Saúde, Dr. Paulo Macedo

Senhor Ministro da Saúde,
Dr. Paulo Macedo,

Endereço-lhe esta carta aberta na sequência do seu último comunicado e do discurso lido, em seu nome, na sessão de apresentação do Relatório de Primavera 2012, do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), na passada quinta-feira, num dos auditórios da Fundação Gulbenkian. Faço-o na condição de coordenador científico daquele relatório.

Nesta conjuntura gostaria de lhe dizer o seguinte:

  1. Põe em causa o Senhor Ministro o título do Relatório “um país em sofrimento”. Diz que o Relatório não o demonstra – ter-se-á limitado a citar meros artigos de jornal.
    Para o Observatório o evidente sofrimento do país foi um ponto de partida, que requer estudo e análise continuada dos efeitos da crise sobre o sistema de saúde português. E o que dizem esses meros artigos dos jornais? desemprego, precariedade, falências, perdas de casas por impossibilidade em paga-las, endividamento, perda de rendimentos das famílias, aumentos de preços, banco alimentar sobrecarregado ….
    O Senhor Ministro tem alguma dúvida que o país esteja em sofrimento?
  2. Diz o Senhor Ministro que o Observatório tem pouca legitimidade para criticar o Memorando de Entendimento com a Troika, e as sua consequências, porque os seus membros teriam participado na negociações que lhe deram origem.
    Não é verdade. A verdade é outra: Como bem sabe os técnicos da Troika, ouviram, no decurso da elaboração do Memorando, várias organizações e associações técnico-científicas, entre as quais o Observatório. Este foi recebido por um técnico, da área financeira da Comissão Europeia. Numa troca de impressões com o Sr. Ministro, há meses, por sua iniciativa, relatei-lhe este encontro, para ilustrar de forma crítica o pensamento da Troika. O ponto principal dos comentários do Observatório ao técnico da Troika foi o de chamar a atenção para a necessidade de se investir na qualidade dos instrumentos da governação da saúde (análise e direção estratégica). O nosso interlocutor não mostrou grande interesse por esse tema. Quando chegou ao tema do custo dos transportes dos doentes, começou a tirar apontamentos. O ponto de vista do OPSS, foi, e é, a de que a questão do transporte de doentes em viaturas não medicalizadas deve estar sob a coordenação e responsabilidade das autarquias locais (com o respetivo financiamento). Algum tempo mais tarde lemos no Memorando a decisão, muito pouco inteligente, de simplesmente cortar 1/3 nos custos dos transportes.
    Não entendo com que base o Senhor Ministro pôde afirmar que os investigadores do OPSS tiveram responsabilidades na negociação/elaboração do Memorando.
  3. Compreendendo as dificuldades da atual situação, o Observatório, no âmbito do seu principal objetivo – contribuir para a melhoria da qualidade da governação da saúde - por sua iniciativa, procurou manter-se em contacto com o Ministro da Saúde no decurso da elaboração do Relatório (e não me estou a referir aos dados que o OPSS pediu e não obteve) – dois exemplos do passado recente:
    • O OPSS pediu informação ao MS sobre a existência de um sistema de monitorização e alerta sobre os efeitos da crise sobre a saúde, e também eventuais respostas locais integradas, da saúde com a ação social, para responder às situações emergentes.
      Não obteve resposta.
      Mas é um facto de que não existem indícios que o Ministério da Saúde tenha feito, em tempo, uma analise prospetiva dos efeitos da crise na saúde, que tenha estabelecido um sistema de monitorização para esse efeito ou que tenha adotado estratégias locais integradas para os contrariar
    • Mais tarde, pedi pessoalmente uma entrevista ao Senhor Ministro no sentido de o alertar para o facto de a nossa analise apontar para o sério inconveniente de, nas atuais circunstâncias, o país não dispor de uma Estratégia/Plano de Saúde, e também para sinais preocupantes relativos à reforma dos cuidados de saúde primários.
      O Senhor Ministro está naturalmente no seu direito de não considerar isso relevante.
  4. Diz o Sr. Ministro que as conclusões do Observatório relativas às dificuldades crescentes dos portugueses em aceder a cuidados médicos e medicamentosos não correspondem à realidade. E nesse contexto utiliza expressões, no mínimo, pouco razoáveis em relação à Associação das Unidades de Saúde Familiar, como se o Observatório tivesse baseado a sua análise nos seus pontos de vista. O Observatório nada pediu, a não ser os endereços dos seus 1600 associados. Aproveito, no entanto, a oportunidade para acrescentar que esta Associação reúne uma parte considerável dos maiores impulsionadores da mais importante reforma do SNS, hoje em sérios riscos de degradação.
    Os investigadores que contribuem para o trabalho do Observatório sabem bem o que é investigação em saúde e fazem-na nas universidades onde ensinam. No âmbito do Observatório, uma vez por ano, esses investigadores são chamados a ajuizar a situação da saúde, com base no melhor conhecimento disponível, nesse momento. É isto o que os Observatórios fazem.
  5. Sobre o fenómeno do racionamento implícito, o OPSS recolheu e reportou indícios.
    A Ordem dos Médicos anunciou que esta a investigar denúncias de racionamento.
    O Senhor Ministro tem a certeza de que nada se passa.
  6. O Observatório preocupou-se, como lhe compete, assinalar e realçar os aspetos positivos e marcantes do trabalho do Ministério da Saúde. O Senhor Ministro não reconhece nenhuma das insuficiências que o OPSS aponta.
    Finalmente, Senhor Ministro, não posso deixar de lhe dizer que o tom, o teor, a linguagem, a seriedade intelectual do Relatório e a compostura do OPSS contrastam de tal forma com os conteúdos do seu comunicado e do discurso lido em seu nome, que desaponta penosamente aqueles que sempre manifestaram por si a maior consideração.

 

Lisboa, 15 de Junho de 2012
Constantino Sakellarides

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Comentários

Exmo. Sr. Professor Apenas

Exmo. Sr. Professor

Apenas hoje tomei contato com a carta aberta escrita por Vossa Excelência ao Ministro da Saúde acerca dos comentários realizados ao Relatório do OPSS.

Admiro a humildade e a frontalidade com que o fez. "Quem não deve não teme" diz o povo.  

Lamento, apesar de tudo, ter a certeza que o tempo que reservou para esta atividade ter sido gasto em vão porque, pior de que ser cego é não querer ver e ainda, tentar que os outros não vejam. A conceção neo-liberal destes Srs Ministros em relação às políticas sociais e económicas é justificação mais que suficiente para esta perda de visão e audição, num desligar quase catatónico, em relação aos que criticam as suas políticas, mesmo que estas surjam com alternativas, como é caso quase singular dos relatórios que os Exmos. Srs. Professores tem elaborado.

Com a máxima admiração

Ao dipor

José Carlos Nelas

Carta Aberta ao MS

Exmo Sr. Professor

 

na minha humilde condição de cidadão agradeço a frontalidade, dignidade e seriedade que o seu discurso transmite... Aliás um cidadão de mérito como V. Excia seguramente nunca atuaria de outro modo.

 

Paulo Machado

apena uma nota

Caro Sr. Professor,

 

brindo à sua nota e aprecio a forma como o faz!

Comunico-lhe no entanto que com tanta frontalidade, coerencia, pertinencia, e valores, dificilmente fará carreira na politica!

Silvia Silva

Agradecimento

Obrigada Professor por mais uma vez nos dar esta lição de frontalidade que dignifica o trabalho realizado.

Não podemos calar-nos pelo que de menos verdade se quer fazer crer e incutir num povo que sofre e que a voz lhe vão cortando.

 

Com os meu reconhecimento a todos os que contribuiram para este importante trabalho

 

M.AUgusta Sousa