Regulação na Saúde... falhas de mercado e falhas do Estado

Autor: 
Vitor Ramos

Há mais de cem anos que os grandes estadistas reconheceram que, para assegurar o desenvolvimento social e económico dos seus países era indispensável criar, por iniciativa pública, um conjunto de dispositivos de solidariedade e de protecção social, para promover o bem-estar geral dos seus povos.Vários autores têm individualizado o sector da saúde por nele predominarem as chamadas falhas de mercado. Estas falhas distorcem a dinâmica do binómio oferta- procura na "transacção" tão peculiar que é a dos cuidados de saúde 2 . Desde logo por existir um forte juízo de valor e um conjunto de princípios morais muito mais pronunciados que em qualquer outro sector. Por outro lado, nas sociedades desenvolvidas, está hoje aceite e consolidado o princípio do acesso universal, independentemente da capacidade financeira do utente/doente, o que exige uma forte responsabilidade e intervenção dos poderes públicos para garantir este acesso.

A intervenção pública na organização dos vários sistemas de saúde europeus ao longo do Século XX teve como denominador comum a introdução de dispositivos de "terceiro pagador" - seja por sistemas de seguro-doença obrigatório, seja pelo financiamento público por impostos gerais. Tais dispositivos anularam ou transformaram radicalmente os mecanismos básicos do mercado. Porém, com o passar dos anos, permitiram capturas (de tipos e graus variáveis, consoante os sistemas e os países) por diversos "stakeholders" internos e adjacentes, que secundarizaram os interesses e as expectativas dos "utentes/doentes" e reduziram o poder de controle efectivo dos cidadãos e da sociedade sobre os serviços de saúde que pagam como contribuintes. Como contraponto desta expropriação, também da parte de alguns utentes surgem comportamentos que fazem crescer o risco moral no sistema. Isto é, sendo os cuidados gratuitos ou quase gratuitos no momento em que são recebidos, pode haver tendência ao seu abuso e desperdício.

Por seu lado o Estado, com a sua "governação" tradicional, tem tido dificuldade em assegurar uma distribuição equitativa dos recursos para a saúde e o seu uso eficiente, quer em termos de eficiência económica, quer em termos de eficiência de resultados na obtenção de "ganhos em saúde". A amálgama concentracionária das funções "financiador", "prestador", "pagador", "avaliador", "fiscalizador" e "regulador" num mesmo aparelho hierárquico de tipo "comando e controlo" levou, em situações como a de Portugal, ao eclipse quase total dos 3 Rs indispensáveis ao bom governo e sã concorrência num subsistema económico-social como é o caso do sistema de saúde: RIGOR, RESPONSABILIDADE e RISCO

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