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Saúde, Saúde Pública e os Determinantes em Saúde - no fio do tempo

Autor: 
Teodoro Briz

O presente artigo de divulgação resume e ilustra a importância do pensamento causal sobre os fenómenos de saúde e o modo como ele se tem desenvolvido. Fá-lo de uma forma muito simples e alicerçada numa pequena selecção de acontecimentos exemplificativos e de figuras especialmente marcantes; a sua sequência no tempo reflecte as necessidades e o potencial do pensamento humano para produzir ilações causais que suportem decisões sobre a saúde, tanto individual, como das populações. Pela enorme relevância da questão da causalidade em Saúde Pública, esta área de estudo e acção é referida aqui com grande destaque, sublinhando-se ainda a perspectiva epidemiológica, disciplina que tem evoluído sobretudo movida pela necessidade de explicar a doença e a saúde na população (Briz, 2009). Porque o artigo se dirige também a interessados de fora do âmbito da saúde, incluem-se algumas definições de conceitos essenciais e a linguagem evita o hermetismo próprio das disciplinas predominantes.

Tudo o que se passa quanto à Saúde, à doença e às suas causas, numa população, tem as  suas raízes nas características e actividades básicas dessa população. Tais características propiciam maior ou menor exposição a factores causais (sejam geradores de doença, ou protectores ou promotores de saúde). Por exemplo, uma população mais jovem terá maior exposição a factores ligados a actividades de lazer e a deslocação em motorizadas; e numa mais envelhecida, a comportamentos e a factores laborais envolvendo longos períodos de exposição – à poluição do ambiente, do meio de trabalho – e desgaste físico e metabólico – mediado por hábitos repetidos e prolongados (Beaglehole, Bonita e Kjellström, 1993; Hanlon e Pickett, 1979; Young, 1998; Wallace, 2008).

Acontece, assim, que “no princípio é a população”, entidade muito dinâmica e textura de fundo, que facilita as tendências de exposição aos vários factores, favoráveis e desfavoráveis à saúde (Fig. 1).

Para melhor entendimento dos conceitos usados: Saúde não é só a ausência de doença, mas o completo bem-estar; Saúde Pública não é a “saúde do público”, nem o sector público dos serviços de saúde – é, antes, uma área de conhecimento e de acção, que tem por finalidade proporcionar o melhor nível de saúde ao maior número de pessoas, com a melhor economia de recursos, e envolve a colaboração integrada de várias disciplinas e sectores sociais (Beaglehole, Bonita e Kjellström, 1993; Wallace, 2008; Young, 1998).

E porque é essencial a ideia de causa, ou determinante, de saúde (ou de doença)? Porque, muito elementarmente, embora o que chame a atenção e preocupe, tanto em cada pessoa, como numa população, sejam as doenças e as suas consequências, a atenção de quem toma decisões em Saúde Pública visa as suas causas modificáveis e perspectiva o futuro, com o potencial de mudar as exposições aos factores causais (e só a estes), prevenindo a doença e promovendo a saúde. Também na clínica, as decisões de intervir focam as causas das expressões das doenças. É assim que a segurança de quem decide depende da solidez do juízo de causalidade em que se apoia. E agindo de acordo com a tecnologia de programas de saúde na sequência da decisão, são necessários evidência empírica e pensamento adequado para julgar se o programa é, ele próprio, causa dos seus aparentes resultados (Beaglehole, Bonita e Kjellström, 1993; Gordis, 2004; Wallace, 2008).

Promover a cultura de acção em Saúde Pública por programas efectivos é uma prioridade, a par com uma cultura de contratualização e responsabilização. Portugal tem um importante défice dos sentidos de economia, de acção por programas e de causalidade, ao mesmo tempo que se decide com horizontes muito curtos, e as decisões são frequentemente inobjectivas e influenciadas por pensamento mágico. E tomam-se como resultados de sucesso evidências não produzidas por avaliações objectivas; assim, com a mesma base, os detractores das acções dirão que elas têm o resultado contrário (Beaglehole, Bonita e Kjellström, 1993; Escoval et al., 2010; Gordis, 2004).

Então, o que tem acontecido através do tempo, no esforço para identificar causas de fenómenos de saúde? Os acontecimentos têm seguido sobretudo duas linhas: (1) o modo de pensar e os fundamentos exigidos para concluir causalidade (modo de conceptualizar causas) e (2) o tipo de evidência, proveniente da “realidade”, que se usa como um dos alicerces formais do juízo causal – aquele de onde se parte para recorrer aos outros alicerces. Estes dois aspectos têm evoluído em paralelo e com uma intrincada dinâmica entre si, mas a sua diferente natureza justifica que vão sendo mencionados em separado (Rothman, 1986).

E porquê assentar a comunicação numa perspectiva histórica? Pensa-se que a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos dos interessados é facilitada pela compreensão que têm do modo como esses conhecimentos foram conquistados. E que a sua motivação para mais aquisições e para o seu uso correcto é influenciada pelas linhas de força que a sequência histórica revela (Saracci, 2001).

Este é, pois, um ensaio muito sintético e dirigido, acerca dos aspectos essenciais da construção da ideia de causa, com interesse em Saúde Pública. É animado pelo pressuposto de que as convicções dos decisores, quando bem fundamentadas, melhoram a sua competência, culminando em acções programadas realmente efectivas. Os apontamentos históricos utilizados neste texto são-no só a título de ilustração, e a selecção visou a finalidade do ensaio, de entre inúmeros momentos, figuras e situações especialmente relevantes.

O resultado não pode ser, portanto, exaustivo, mas pretende visualizar um fio condutor inteligível, assumindo-se assim o (elevado) risco e a injustiça de não destacar outros exemplos e contributos que certamente o merecem.

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